"A IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA" *
HOLGONSI SOARES
Prof. Ass. Depto. De Sociologia e Política - UFSM
* Publicado no jornal "A Razão" em 25.06.98
"Se quisermos ser livres, ninguém deve poder dizer-nos o que devemos pensar" (Castoriadis).
Anthony Giddens, ao trabalhar as principais questões do debate ideológico contemporâneo, coloca-nos como central o conceito de "sociedade pós-tradicional",
ou seja, aquela na qual o homem é obrigado a abdicar da rigidez das
idéias, atitudes e tipos de comportamentos fundamentados no sistema de
valores tradicionais. Esta é a sociedade na qual estamos vivendo, e
cujas características são mais evidentes de acordo com a intensificação
do processo de globalização.
Como é da natureza da História, cada contexto histórico concreto coloca
suas condições de sobrevivência. A vinte anos atrás, quando a
hierarquia estava em alta exigia-se obediência cega, humildade e
concordância. Hoje porém, na sociedade pós-tradicional, exige-se o
oposto, e a autonomia é condição básica para conviver com os riscos, as incertezas e os conflitos dessa sociedade.
Inicialmente foi no mundo da produção,
quando a racionalidade tecnológica colocou como pré-requisitos o
domínio do conhecimento, a capacidade de decidir, de processar e
selecionar informações, a criatividade e a iniciativa. Somente um
indivíduo autônomo consegue manejar com estes elementos, que
diferenciam radicalmente a fábrica pós-fordista da fordista. Porém ao
mesmo tempo que estes pré-requisitos pressupõem indivíduos autônomos,
acabam influenciando no desenvolvimento da autonomia dos mesmos. Dessa
forma, a autonomia tornou-se uma necessidade material;mas não está mais restrita apenas à esfera da produção, e envolve agora todos os domínios da vida contemporânea.
Assim, é também uma necessidade emocional,
uma vez que os indivíduos precisam desenvolver uma efetiva comunicação
entre si, numa sociedade em que o diálogo molda a política e as
atividades. A falta de autonomia no âmbito psicológico, obstaculiza as
discussões abertas, gera violência e impede a manifestação plural; como
diz a cientista social A'gnes Heller, "é uma afronta a autonomia do Outro".
Portanto a autonomia psicológica é necessária para se entrar em efetiva
comunicação com o Outro, num diálogo que ocupa um espaço público no
qual "todas as facções discutem entre si numa relação simetricamente recíproca"(Heller), livres do uso da coerção e da retórica.
É uma necessidade sócio-cultural, uma
vez que a nova sociedade traz, em suas contradições produtivas um amplo
movimento cultural de superação de velhas concepções de mundo, exigindo
uma nova direção das relações sociais e a elaboração de um novo
comportamento chamado "reflexivo". Sob este aspecto, a autonomia
torna-se necessidade política pois somente um indivíduo
autônomo possui condições de entender as contradições do mundo
globalizado, questionando-as e agindo no sentido de canalizar as
oportunidades para mudanças qualitativas.
Por tudo isso a autonomia tornou-se
condição de sobrevivência para os indivíduos na sociedade
pós-tradicional. Somente um indivíduo autônomo terá sucesso nas esferas
econômica, psicológica, sócio-cultural e/ou política, pois é um
indivíduo que interroga, reflete e delibera com liberdade e
responsabilidade, ou como diz Castoriadis, "é capaz de uma atividade refletida própria",e
não de uma atividade que foi pensada por outro sem a sua participação.
Espero que todos os envolvidos com o processo educativo (formal e
informal) reconheçam a importância da mesma, e estejam trabalhando para
favorecer a autonomia individual e consequentemente coletiva, pois é
assim que nos tornaremos "conscientes e autores de nosso próprio evolver histórico" (Castoriadis).
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